segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Candidato espontâneo

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Notícia: Atento seleciona candidatos para 10.605 vagas em todo o Brasil
Fonte: G1
Data: 08/02/14
Nível: 4
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- Sente-se, Patrick! - pediu o recrutador. - Tudo bem? Conta um pouco sobre você.

Patrick se ajeitou na cadeira e passou um tempo decidindo se apoiava as mãos na mesa ou as largava soltas no colo. Percebeu um fio de suor que saiu do canto da testa, escorreu para trás da orelha direita e teve força para ganhar o pescoço. Precisava se acalmar, afinal, havia se preparado muito para aquela entrevista.

Aos 19 anos, estava diante da oportunidade de seu primeiro emprego. Ficou tão empolgado quando viu o anúncio no site, que nem conseguia pegar no violão para tocar nos últimos dias. Alguns de seus amigos tentaram impedir. Falavam que emprego em call center é algo desumano, mas Patrick acreditava que nada era mais desumano que ter que depender do dinheiro dos pais para poder levar a namorada ao cinema.


- Eu não tô muito bem não, já que perguntou... - Iniciou Patrick. - Tem um carinha curtindo as fotos da minha namorada no Facebook. Na verdade, eu tô puto! Queria tá aqui tranquilo pra minha entrevista, mas não tem quem aguente, o senhor me entende?


Não. O recrutador não estava entendendo. Preferiu não interferir para ver se o entrevistado encontraria um meio de reparar o início catastrófico de sua apresentação.


- Falar sobre mim? Bom… Eu costumo dizer que falar de mim é fácil, o difícil é ser eu! 

Patrick se divertiu com a piada, pois leu em algum lugar que era importante ir com bom humor para uma entrevista. Depois, respirou fundo tentando lembrar de cada palavra que ensaiou em casa diante do espelho.

- O que eu posso falar sobre mim é que eu sou o cara certo pra essa vaga. Apesar da pouca idade, tenho verdadeiro fascínio por política e economia. Leio muito sobre relações internacionais. Mas, nas horas vagas, gosto de ler sobre coisas mais tranquilas. Vou começar agora a ler sobre os Pensadores da filosofia antiga, talvez Freud. Vai me perguntar um defeito, certo? Sou perfeccionista… Qualidade? Muitas! Além de tocar bem violão, modéstia à parte, sou metódico, centrado, responsável, equilibrado, maduro, perfeccio… Ah não, isto é do defeito...


- Patrick… -  falou o recrutador, procurando as palavras perdidas entre o sentimento de perplexidade. - Tudo isso que você disse, tirou de onde?


- Li dicas de uma blogueira muito bacana, cara! E aí? O que mais quer saber de mim?

(continuando...)

O recrutador parecia não acreditar que depois de tantos anos ele ainda se surpreenderia com algum candidato. Por isso, acabou sorrindo.

- Mas por que o senhor tá rindo de mim?

- Deixa pra lá... Olha rapaz, a sorte é que eu gostei de você. Se tivesse passado por alguma recrutadora de TPM já teria voado pela janela. Comunicativo desse jeito não tem como te reprovar. Parabéns, está contratado! Semana que vem você começa o treinamento remunerado e assim que estiver tudo certo já começa a atender.

- MESMO? PASSEI? Não acredito! Poxa muito obrigado, valeu!

Patrick se empolgou tanto que foi em direção a um abraço no recrutador que, rapidamente, estendeu a mão para encerrar logo aquela momento embaraçoso.

- Hm... Err... Muito obrigado mais uma vez, senhor!

- Ah, só uma dica: vê se pensa um pouquinho mais antes de falar ou de agir. Espontaneidade é uma coisa boa, mas tem que ser usada com cuidado. Não é sempre que a gente tem uma segunda oportunidade.

- Claro, claro, pode deixar! Pode deixar!

(...)

Cada andar que o elevador descia parecia uma viagem. Patrick mal podia esperar para chegar na rua e postar a novidade para os seus amigos.

Na entrada do prédio, de cara ele reconheceu um antigo colega de colégio, o Davi.

- Hey, Davi!

- Olha só, Patrick! Não sabia que você trampava aqui também, velho! Tudo certo?

- Então cara, eu fiz entrevista hoje, vou começar na semana que vem.

- Já é! Vou te colocar no esquema aqui, seria bom se você fizesse o mesmo turno que a minha galera. Chega aí pra te apresentar rapidão!

Davi jogou Patrick numa rodinha cheia de garotos da sua idade. Cada um deles tinha um estilo diferente. Enquanto observava um por um, Davi ia falando os seus nomes, mas Patrick não prestava a menor atenção nisso. Foi olhando meio indiferente para cada um dos rapazes até reconhecer um rosto familiar.

Pois é... Era o carinha que estava curtindo as fotos da sua namorada.

Eles se encararam por alguns segundos. Patrick foi se aproximando e o rapaz parecia não entender nada.

- Qual é a tua hein?!

- Oi?!

- Curte as fotos da minha mina no face e acha que tá de boa?

- Sei nem quem é tua mina, sai fora!

- Sabe sim, pô! Curtiu várias fotos dela!
- Eu curto tanta merda naquele face, maluco! Lá vou lembrar quem é essa mina?

- MINHA MINA NÃO É ESSAS VAGABUNDA QUE VOCÊ CURTE NÃO, MALANDRO!

Patrick se encheu de raiva e foi pra cima do garoto. Davi e os outros até tentaram separar, mas foi em vão.

A frente do prédio ficava cada vez mais cheia de gente, até que os seguranças chegaram para apartar a briga.

O rapaz estava bem machucado e foi levado para o ambulatório interno.

Os seguranças seguraram Patrick, que estava começando a voltar ao normal.

- Cadê teu crachá, rapaz?

- Eu... eu... ainda não tenho.

- Mal começou a trabalhar aqui e já tá causando tumulto? É melhor você dar o fora daqui e não aparecer mais. Vamos pegar teus dados e encaminhar pra sua coordenação. E é bom começar a procurar outro emprego, moleque!

O conselho que o recrutador acabara de dar tinha entrado por um ouvido e saído pelo outro. E a alegria já era. Realmente, nem sempre existe uma segunda oportunidade.

Chegando em casa, foi direto para o quarto antes que alguém perguntasse da entrevista. Trancou a porta e pegou o violão para tocar.

Soy un perdedor...

E riu da própria falta de sorte.



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